As Evoluções da Indústria de Aviões no Brasil

Os antecedentes​

A primeira referência que vem à mente quando o assunto é o início da aviação no Brasil é o feito histórico de Santos Dumont, na Paris de 1906. Perante mais de mil espectadores, ele pilotou o 14 Bis, primeira aeronave mais pesada que o ar a decolar por seus próprios meios, percorrendo 60 metros em sete segundos, a dois metros do solo.

Dumont não foi, porém, o primeiro brasileiro a se notabilizar nesse campo. Dois séculos antes dele, o Padre Bartolomeu de Gusmão havia criado o Passarola, balão de ar quente que foi apresentado ao rei de Portugal, em 1709. E em 1881 o paraense Júlio César Ribeiro de Souza realizou com sucesso voos em balões alongados produzidos por ele em Paris. Apesar disso, esses e vários outros inventores não estimularam a indústria aeronáutica de forma sistemática no País. As máquinas voadoras ficaram muito tempo ainda no campo da ciência experimental, sem levar a um desenvolvimento tecnológico que permitisse sua produção em escala industrial. Na Europa, nos Estados Unidos e também no Brasil, os progressos alcançados no primeiro decênio do século XX desencadearam uma avalanche de experimentos e protótipos, mas não passaram disso. Em 1910, por exemplo, Demetre Sensaud de Lavaud projetou e construiu um avião pela primeira vez em território brasileiro, o São Paulo. Nas décadas seguintes, foram realizados vários outros projetos e protótipos, alguns até chegaram a ser homologados, mas poucos chegaram de fato à produção industrial. O desenvolvimento do setor aeronáutico caminhou de forma diferenciada em relação ao que ocorreu no automobilístico. A partir de 1908, o norte-americano Henry Ford revolucionou a produção de veículos com seu Modelo T – chamado no Brasil de “Ford Bigode” – a partir de um sistema de produção que tornou o automóvel um bem acessível à boa parte da população mundial. Já o avião, era e é um produto só viável em larga escala, com custo elevado e processo de produção longo. Por isso, até as primeiras décadas século XX, especialmente no Brasil, apesar da incipiente aviação comercial e da existência de vários aeroclubes privados, o mercado para as primeiras fábricas de aeronaves era quase exclusivamente o Governo, estimulado por questões de segurança, sobretudo entre as guerras mundiais. Nesse sentido, a história da indústria brasileira de aviões teve estreito vínculo com a estruturação da Aeronáutica o que passou a demandar mais aeronaves. No âmbito do Exército, a Arma de Aviação foi criada em 1927, passando a ter evolução própria ao lado das armas tradicionais de Artilharia, Cavalaria e Infantaria. Antes disso, porém, o Exército e a Marinha já haviam iniciado a utilização de aeronaves, formando cadetes em instituições como a Escola de Aviação Militar do Campo dos Afonsos, criada em 1914. Pouco depois, a Marinha também instituiria sua Escola de Aviação Naval.  Porém, até a criação do Ministério da Aeronáutica, em 1941, a Aeronáutica ficaria dividida entre o Exército e a Marinha, sem autonomia administrativa, operacional ou técnica. Se a demanda ia sendo formada no meio militar, na esfera civil também houve conquistas importantes no início do século XX para criar um ambiente favorável ao início da fabricação de aviões. Embora o Brasil ainda fosse um país eminentemente agrícola, importando praticamente todos os bens industriais que consumia, naquele período começou a surgir uma atmosfera técnico-científica. Em 1894, por exemplo, foi fundada a Escola Politécnica de São Paulo, uma das primeiras escolas de engenharia do Brasil. A partir da Poli, cinco anos mais tarde surgiu o Gabinete de Resistência de Materiais, que daria origem ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo. O IPT seria de fundamental importância na pesquisa de materiais, num primeiro momento os usados na construção civil e em seguida também no campo aeronáutico, o que faria dele referência no setor por muitos anos. Na área de formação de pilotos, tanto civis como militares, iniciativa importante foi a criação, em 1911, do Aero-Club Brasileiro, que tinha Santos Dumont como presidente honorário.

Getúlio Vargas – grande entusiasta da aviação brasileira

Somente a partir Revolução de 30, porém, o processo de industrialização no Brasil se consolidaria de fato e ganharia importância para superar a agricultura no processo de desenvolvimento nacional. Nesse período foram levadas a efeito diversas iniciativas industriais, sobretudo as que exigiam a utilização de recursos tecnológicos mais avançados, como a produção de aviões. Da virada do século até a década de 1930, as fábricas brasileiras estavam voltadas a suprir as necessidades da atividade agrícola, bem como dar sustentação ao desenvolvimento urbano. Mas o rompimento político com as elites cafeeiras, representado pela implantação do Governo Provisório, em 1930, e pela eleição de Getúlio Vargas, em 1934, abriu novas perspectivas à indústria, em especial às do setor aeronáutico. Ao longo dos anos 1930 e 1940 prosperaram várias iniciativas civis e militares para a fabricação seriada de aviões, tanto das empresas que montavam aeronaves como das que forneciam praticamente todos os itens necessários a sua fabricação, com exceção apenas dos motores, e ainda das que montavam aeronaves sob licença de empresas europeias e norte-americanas.  Esse desenvolvimento teve na base a estruturação de uma política para a aviação nacional. Logo no início do governo Vargas, em 1931, foi criado o Correio Aéreo Nacional e o Departamento de Aeronáutica Civil (DAC), com sede no Rio de Janeiro e, à época, subordinado diretamente ao Ministério da Viação e Obras Públicas, até então único órgão responsável por tratar das questões relacionadas à aviação. Ainda naquela década, foram criados o Correio Aéreo Naval e o Código Brasileiro do Ar, em 1934 e 1938 respectivamente.

Em relação à indústria aeronáutica, desde o Governo Provisório, implantado em 1930, Getúlio também daria claros sinais da predisposição para estimular o setor. Naquele ano, criou a Comissão de Estudos para Instalação de uma Fábrica de Aviões (CEIFA), da qual faziam parte o engenheiro César Grillo e os militares Antonio Guedes Muniz e Vitor de Carvalho. Iniciando as atividades em 1932, a Comissão visava, como o próprio nome diz, avaliar a possibilidade da produção de aeronaves no País e também de utilização de matérias-primas nacionais, bem como organizar uma concorrência para a instalação de uma fábrica. Para além dos aspectos político-econômicos e estratégicos que a aviação representava durante a Era Vargas, certamente o grande estímulo ao setor observado nesse período teve relação direta com o fato de Getúlio ser um grande entusiasta da aviação. Desde que, em 1929, ele esteve à bordo do primeiro voo do primeiro avião a voar comercialmente no Brasil – o hidroavião Atlântico, então pertencente ao Sindicato Condor – ele aderiu definitivamente à ideia de utilizar o avião como meio de transporte. O gaúcho Vargas levava quatro dias de navio para ir de Porto Alegre à então capital federal, o Rio de Janeiro, enquanto de avião fazia o trajeto em apenas oito horas. No final daquele ano, quando foi ao Rio para ler sua plataforma de candidato à presidência, causou um grande burburinho ao sobrevoar o centro da cidade, a bordo do Atlântico.  A partir daí, Vargas seria o principal destaque em praticamente todos os grandes eventos relativos à aviação. Ele visitava fábricas, incentivava o envio de técnicos para especialização no exterior, inspecionava pessoalmente obras de construção de aeroportos, como o Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e comparecia a cerimônias de formaturas de pilotos e de apresentação de aeronaves, muitas vezes lançando mão de gestos ousados como forma de difundir o uso do avião. Em 1931, por exemplo, durante a cerimônia de apresentação do protótipo do avião M-5, projetado pelo tenente Antonio Guedes Muniz, durante a solenidade do 12º ano de fundação da Escola de Aviação Militar, Getúlio realizou um pequeno voo a bordo da aeronave, na intenção de demonstrar total confiança na capacidade técnica brasileira. A repercussão da audaciosa iniciativa notabilizou Guedes Muniz e levou Getúlio a colocar o militar em contato com o industrial Henrique Lage que, depois de experiências frustradas anteriores, acabou por retomar a produção de aeronaves, criando a Companhia Nacional de Navegação Aérea, em 1935.

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