O mais querido do Brasil

Qual é, afinal de contas, o prato típico brasileiro? A feijoada? O virado paulista? O tutu à mineira? A dobradinha (bucho ou tripa)? O baião de dois? O arroz de carreteiro? A moqueca (baiana ou capixaba)? O entrevero? O churrasco? A carne de sol com macaxeira? O pato no tucupi? A vaca atolada? Não há dúvida de que todos os pratos citados acima sejam a tradução da mais genuína gastronomia brasileira, porém, a resposta à pergunta inicial não poderia ser outra: arroz com feijão, tão simples e forte quanto o povo brasileiro. Está presente diariamente nas mesas de oito entre dez famílias brasileiras, dentro e fora do Brasil; isso mesmo, brasileiros espalhados pelo mundo afora não abrem mão do feijãozinho com arroz.

Segundo uma pesquisa feita pelo chef Marcel Novaes (ali de Assis), há alguns anos, para o seu trabalho de conclusão do curso de Gastronomia, em Florianópolis – SC, oito entre dez brasileiros que vivem nos EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Portugal, Inglaterra e Japão comem regularmente arroz com feijão, pelo menos três vezes por semana, o que prova que esta dupla insuperável é capaz de atravessar fronteiras e oceanos e chegar à mesa do brasileiro, esteja ele onde estiver. Não se tem conhecimento de nenhum outro prato típico com o alcance do nosso arroz com feijão. Nem mesmo a comida oriental e a italiana, que estão presentes em quase todos os cantos do Planeta, atendem especificamente seus compatriotas com o item mais típico de suas culinárias, de maneira íntima e individual, como a nossa dupla, e só aparecem de forma generalizada, compondo cardápios e em casas de culinária monocultural. A maioria de nós, quando fica por muito tempo longe do Brasil, ou até mesmo em férias por aqui, experimentando novos sabores e receitas diferentes, não demora muito e já fica com saudades do nosso arrozinho com feijão, que, na maioria das vezes, faz parte da primeira refeição servida ao chegar. Pode ser acompanhado de bife com batatas fritas, ovo frito, salada de alface e tomate, vinagrete, frango frito, assado ou ao molho, maionese, farofa, carne moída refogada, linguiça, bisteca de porco, couve refogada, sardinha aberta ou filé de peixe chapeados, arrumadinho com carne de sol ou de charque, legumes refogadinhos, só com farinha e, em casos extremos, com macarrão. O que vai acompanhá-los não importa, pois arroz e feijão, juntinhos, funcionam bem de qualquer maneira, até mesmo sem “misturas”, só os dois (adoro), especialmente quando refogados instantes antes de serem servidos. Mesmo lá fora, não basta ser só arroz e feijão, têm que ser bem feitos, à nossa moda, especialmente o feijão, que não pode ser apenas uma porção de grãos boiando em caldo ralo, porque brasileiro dificilmente come feijão aguado e arroz “papa” (“unidos venceremos”, grudado). Eu mesmo, nos tempos de tripulante, me ofereci, e fui convidado, para entrar na cozinha de um restaurante cubano, no mercado de Orlando – Flórida, para ensinar aos cozinheiros da Ilha de Fidel como se prepara um arroz com feijão à moda brasileira. O dono do restaurante era um simpático cubano de nome Raul, apaixonado pelo Brasil, pelos brasileiros, especialmente pelas brasileiras, que tentava nos agradar de todas as maneiras possíveis.

Depois que preparei aquele arroz com feijão caprichado, o Raul ofereceu tudo em forma de degustação para todos os clientes que naquele dia lotavam o estabelecimento e eram oriundos de vários países. Eles se deliciaram e, impressionados com o aroma e o paladar proporcionados pelo refogadinho brazuca, prometeram voltar no dia seguinte para almoçarem o prato brasileiro, preparado por um brasileiro. Resultado: no dia seguinte, lá estava eu, às oito horas da manhã, dentro da cozinha do Raul’s, preparando um caldeirão de feijão e um panelaço de arroz, que quase não foram suficientes para atender a avalanche de gringos e brasileiros que ficaram sabendo e lotaram o restaurante das 11h às 14h. Em conseqüência, o Raul me encheu (e se encheu) de chope gelado e passou o restante do dia tentando me convencer a largar a Transbrasil, para chefiar a cozinha do Raul’s e torná-la especializada em culinária típica brasileira (estávamos em setembro de 1984).  Convite do qual tive que declinar na época por dois bons motivos: o primeiro era que eu adorava voar e ganhava muito bem para um jovem de 26 anos, o segundo era que não me sentia seguro o suficiente para assumir uma cozinha de um restaurante de bom porte, em um país estrangeiro, e sem experiência nenhuma como cozinheiro profissional seria, sem dúvida, um caso típico de “trocar o certo pelo duvidoso”. Com a cabeça cheia de “muitos vários” chopes, meus colegas de vôo, com peninha do Raul, contaram a ele que eu estaria chegando à sexta-feira seguinte em Orlando, para ficar lá por três dias, inativo. O cubano não perdeu tempo e me fez prometer que eu faria uma feijoada completa no sábado seguinte à minha chegada. Em retribuição, eu e qualquer acompanhante meu jamais pagaríamos uma despesa no seu restaurante enquanto ele fosse o proprietário, além de deixar a proposta de chefiar a cozinha do Raul’s válida por tempo indeterminado. Esta química perfeita faz do arroz com feijão o ícone maior da nossa culinária, que atrai uma verdadeira legião de fãs, que logo se torna tão fiel, que parece ter sido enfeitiçada pelo aroma e paladar dessas “almas gêmeas”.

Se continuar a ser disseminado pelo mundo, o nosso arroz com feijão, em um futuro muito próximo, poderá se transformar no prato típico do planeta Terra.

Fonte: Folha da Região

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