O que é ser peão?

O relato é de Felipe Guerra:

“O termo “peão” tem muitas definições: serve como o soldado da infantaria, o bom cavaleiro que trabalha como empregado no campo ou na roça, recebendo seus vencimentos diários. Usa-se “peão” também para designar a classe mais baixa dos trabalhadores de algum lugar e, no xadrez, chama-se peão a peça que se sacrifica no jogo para realizar uma boa movimentação de ataque, ou simplesmente para proteger seu rei. Encurtando história longa, peão veio ao mundo pra ralar. Houve um breve momento da minha curta vida em que eu estava passando por uma situação não muito agradável no papel de recém-formado e desempregado. Fiquei sabendo, nem lembro como, de uma oportunidade para ingressar em uma fábrica de celulares. Era uma chance de pagar as contas e passar por uma experiência totalmente diferente. É assim que começo a contar como fui peão por uma semana. Individual e intelectualmente, o peão não é fundamental para o andamento de determinado trabalho. Não vai trabalhar de um jeito característico e nem deixar a sua marca no ofício corriqueiro. Mas, em um grupo de “iguais”, ele se torna crucial para o andamento de qualquer corporação – um pode não fazer tanta diferença, mas dez sim. Para quem adora exercer a criatividade no ambiente em que vive, esse tipo de função pode ser massacrante. Foi o meu caso. Já haviam me dito que, no geral, um peão não se mata de trabalhar, ganha um salário que paga as contas e encara a função com grande facilidade. Mas nada teria tanta graça se só houvesse pontos positivos.

Os cuidados para os recém-chegados


Tudo começou com a entrega do currículo. O candidato é informado da prova que deverá realizar, teste esse que toma algumas horas e, até então, serve para mostrar que o processo para se tornar um funcionário temporário é tranquilo. Claro que o teste estava só começando. No final da semana, a história começa a mostrar que pontualidade se cobra antes mesmo de oficialmente entrar na empresa (qual chefe de fábrica quer ver seus funcionários batendo o ponto depois do horário?). Fui convocado para um exame admissional, sendo informado que deveria chegar até às 11h no local. Os últimos candidatos (eu estava entre eles) saíram de lá depois das três da tarde. Nesse momento, parecia que o pior já havia passado. Isso até chegar à empresa de recursos humanos contratada para lidar com o processo seletivo e a admissão dos funcionários:

“Hmm, ótimo Felipe. O exame tá aqui, os documentos também. Agora você precisa ir correndo nesse outro endereço aqui para assinar o contrato. Precisa estar lá até às 16 horas.”

Cheguei bem entes e ainda me restou ficar sentado aguardando as instruções. Começaram quase às cinco. Terminaram às sete. O primeiro dia de trabalho foi denominado “dia de ambientação”. Ninguém pôs a mão na massa. Todos os novos trabalhadores passaram quase doze horas sentados, ouvindo funcionários da empresa explicando o funcionamento da fábrica, os procedimentos de segurança, de ética e, mais importante, o zelo que eles têm pelo funcionário – os vídeos contextualizavam tudo mostrando trabalhadores contentes, revezando funções para não cansar as pernas e os braços. Tudo parecia melhorar após dois dias do que poderia ser chamado teste de resistência. Mas, ah… se a vida fosse um vídeo corporativo… Ainda no primeiro dia, os novos peões sentiram aquele beijo amargo da realidade: não havia revezamento de funções, como havia sido apresentado, pelo menos naquela semana. Na verdade, mal havia cadeiras para os novos funcionários. A vida em uma fábrica já começa com os castigos  A solução encontrada para a falta de cadeiras era chegar alguns minutos antes na ala de produção e roubar uma cadeira. O segundo a chegar fazia o mesmo, até que o último a chegar teria que passar o dia todo trabalhando em pé, sustentando nas costas o fardo de seu atraso, enquanto revezava o peso do corpo nas pernas.”

Confira mais em: Papo de Homem

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