Cuidados para resistir à maresia

Estruturas em áreas litorâneas sofrem com a ação de cloretos e sulfatos. Mesmo em ambientes agressivos, a durabilidade pode ser garantida com cobrimentos maiores das armaduras e concretos menos permeáveis.

O ataque dos íons cloretos atinge rapidamente as armaduras comprometendo a integridade estrutural. Maiores coberturas das armaduras, como preconiza a NBR 6118, e controle da relação água-cimento garantem concretos mais duráveis. Quando se decidiu unir aço e concreto dando origem ao concreto armado, criou-se um dos materiais mais utilizados pela construção, seja para levantar edificações, seja para erguer obras-de-arte. Muito do sucesso dessa combinação justifica-se pelo fato de as armações utilizadas para reforço não demandarem, em tese, tratamentos contra corrosão. Tudo graças à elevada alcalinidade do concreto, que favorece a formação de uma película de óxido estável que passiva o aço e impede a progressão da corrosão. Porém, na prática, esse casamento nem sempre é harmonioso. Patologias podem ocorrer quando há vulnerabilidades no sistema, resultantes principalmente de falhas durante a execução e na especificação do concreto, que deve ser adequado à situação de exposição. Nesse sentido, um dos agentes mais agressivos às estruturas de concreto é a atmosfera marinha, onde cloretos de sódio e de magnésio estão em suspensão no ar. “No litoral, os sais retirados do mar pelas ondas e transportados pelo ar podem percorrer grandes distâncias e se depositarem sobre o concreto na forma de gotículas de água”, explica o engenheiro Roberto José Falcão Bauer, diretor técnico da L.A. Falcão Bauer. “O problema maior são os íons cloretos (Cl-), que muito pequenos têm elevada mobilidade no interior do concreto”, completa Paulo Sérgio de Oliveira, gerente comercial da Sika.

Segundo escreveu o engenheiro Paulo Roberto do Lago Helene, no livro “Corrosão de Armaduras para Concreto Armado”, da PINI, a velocidade de corrosão em ambiente marinho pode ser 30 a 40 vezes maior do que em atmosfera rural. Os danos podem ser ainda mais severos quando a estrutura está sujeita diretamente à variação do nível do mar (efeito splash zone).  Isso porque, além de o ataque de cloretos ser mais intenso, nesses casos, conforme explica Arnaldo Battagin, chefe dos laboratórios da ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland), há formação de etringita secundária, material de caráter expansivo, pela reação dos aluminatos do cimento e sulfatos da água do mar. “A pressão de cristalização desse componente é muito grande, com expansão de mais de 300%. Assim, quando essa pressão atinge a resistência à tração do concreto, ocorrem as fissurações e o processo de deterioração do concreto se intensifica”, comenta o geólogo. Diante da exposição à maresia, todos os tipos de estrutura de concreto podem sofrer ataques de cloretos, sulfatos e outros agentes agressivos. Entretanto, aquelas com face voltada aos ventos dominantes estão mais suscetíveis, assim como os locais com grande superfície em relação ao volume, pilares e vigas, sobretudo. “Quanto mais esbelto for o elemento, mais sério e evidente será o problema”, esclarece o pesquisador do IPT Carlos Eduardo de Siqueira Tango. Outros fatores também podem contribuir para o surgimento de patologias. Lugares por natureza úmidos e com maior risco de condensação, como banheiros, cozinhas e áreas de serviço, costumam apresentar sintomas de corrosão mais rápida e intensa do que em ambientes secos. Da mesma maneira, locais com baixa ventilação estão mais sujeitos à corrosão, pois podem apresentar bolor e fungos que liberam produtos orgânicos ácidos em seu metabolismo.

Cuidados mínimos
Basicamente os cuidados necessários às estruturas de concreto situadas em áreas litorâneas partem do princípio de evitar ou minimizar a contaminação.

Isso pode ser feito com resoluções em projeto, como o posicionamento e localização da obra em relação à orla marítima, ou com a especificação de materiais mais resistentes às agressividades do ambiente. Além disso, a durabilidade pode ser garantida com o uso de concretos mais impermeáveis, com baixa relação água-cimento, e com o uso de aditivos como sílica ativa, por exemplo, para reduzir a porosidade. “Recomenda-se, quando possível, utilizar cimentos de alto-forno, pozolânicos ou resistentes aos sulfatos, que apresentam um comportamento melhor com relação à durabilidade”, comenta Cláudio Oliveira, supervisor do laboratório de concreto da ABCP. “Também é preciso garantir um consumo mínimo de cimento da ordem de 360 kg/m3.” Esse valor é uma exigência das normas européias e é um dos itens em discussão na comissão de revisão da NBR 12655, em andamento, que trata do preparo, controle e recebimento do concreto. Procedimentos executivos, com relação ao transporte, lançamento, adensamento e cura do concreto, bem como tratamento das juntas de concretagem e plano de desenforma da estrutura também devem ser considerados. Aqui cabe uma observação especial sobre os distanciadores e fixadores de fôrmas. “Muitas vezes, quando mal-executados, esses elementos não cumprem sua função de garantir o posicionamento da armadura durante a concretagem”, ressalva Carlos Eduardo Tango. “Assim, podem surgir problemas localizados, como a concentração da corrosão em alguns pontos”, explica o pesquisador do IPT.

Em casos especiais, quando não é possível obter o cobrimento mínimo adequado ou quando não há como impedir o acesso de agentes agressivos na estrutura, é possível valer-se de recursos como a galvanização da armadura, os inibidores químicos, que atuam sobre a superfície metálica ou, ainda, a impregnação da superfície de concreto com revestimentos impermeáveis. “Medidas específicas de uso, manutenção e inspeção durante a operação e a atividade da estrutura, incluindo procedimentos e monitoração, também são igualmente importantes”, complementa Roberto José Falcão Bauer. Mas, independentemente da solução, é fundamental estudar todas as condições, as características da obra e escolher entre os procedimentos mais adequados. “Se a estrutura for de concreto aparente, por exemplo, é importante adotar vernizes ou sistemas protetores de alta eficácia contra a penetração de cloretos, por exemplo um sistema duplo composto por um primer à base de silano-siloxano e uma camada de acabamento constituída por um acrílico nobre ou por metil-metacrilato”, revela Paulo Sérgio de Oliveira. No entanto, a principal precaução refere-se ao cobrimento do concreto, que deve proteger fisicamente a armadura e propiciar um meio com pH elevado para a passivação do aço. Nesse aspecto, as estruturas submetidas à atmosfera litorânea ganham reforço extra, com a nova NBR 6118:2003, em vigor desde março deste ano, que fixa exigências básicas para projeto de estruturas de concreto.  Entre as principais inovações da norma está, justamente, a exigência de cobrimentos maiores e valores menores para a relação água-cimento em estruturas expostas a agentes agressivos, como a atmosfera marinha. “Não há dúvidas de que a introdução das classes de agressividade e a preocupação com a durabilidade das estruturas de concreto representa um grande avanço e elevará a qualidade das estruturas expostas a ambientes agressivos”, acredita Carlos Eduardo Tango. “Porém, é preciso que a NBR 12655 acompanhe tal evolução contemplando consumos mínimos de cimento no concreto. Hoje, a norma de projeto se remete à norma de preparo, que ainda está em revisão”, conclui.

Classes de agressividade
Em vigor desde março deste ano, a última revisão da NBR 6118:2003, que determina requisitos de projeto de estruturas de concreto, traz como principal inovação a introdução de classes de agressividade ambiental (CAA).

Ao todo são quatro níveis, que vão de ambientes menos agressivos para locais com agressividade muito alta, em uma escala de I a IV. São esses graus de agressividade que irão determinar, por exemplo, qual a classe de concreto a ser utilizada, a relação água-cimento adotada, o cobrimento nominal, além de exigências relativas à fissuração. As estruturas expostas à maresia enquadram-se nas classes III, de forma indireta, ou IV, quando chegam a receber respingos de maré.

1. Pode-se admitir um microclima com classe de agressividade um nível mais brando para ambientes internos secos (salas, dormitórios, banheiros, cozinhas ou áreas de serviço de apartamentos residenciais e conjuntos comerciais ou ambientes com concreto revestido com argamassa e pintura).

2. Pode-se admitir um nível de agressividade mais branda em: obras em regiões de clima seco, com umidade relativa do ar menor ou igual a 65%, partes da estrutura protegidas de chuvas em ambientes predominantemente secos ou em regiões onde chove raramente.

3. Ambientes quimicamente agressivos, tanques industriais, galvanoplastia, branqueamento em indústrias de celulose e papel, armazéns de fertilizantes, indústrias químicas.

Fonte: NBR 6118:2003

Sais nocivos
Os cloretos são os agentes mais agressivos às estruturas de concreto. Podem estar presentes na atmosfera de várias formas, além da água do mar. Em países frios, por exemplo, o sal (NaCl) é utilizado como agente de degelo.  No outro extremo, o fogo também pode contribuir para a suspensão do cloro, caso o incêndio atinja tubulações de PVC (policloreto de vinila). Em regiões mais poluídas, os cloretos podem estar presentes no solo e atingir estruturas enterradas de fundações.

Nos reservatórios de água, o cloro é adicionado para desinfecção e atinge
a superfície interna do concreto. Por fim, cloretos podem ser encontrados em materiais que compõem o concreto, como água ou areia contaminada. Aditivos à base de CaCl2 são proibidos pela NBR 6118.

Fonte: “Corrosão em Armaduras para Concreto Armado”, de Paulo R. L. Helene. PINI

Patologias

 Corrosão de armaduras – É o fenômeno mais típico de estruturas de concreto expostas à atmosfera marinha. Trata-se de um processo eletroquímico no qual há um ânodo e um cátodo. A água presente no concreto serve de eletrólito. Assim, qualquer diferença de potencial entre pontos pode gerar uma corrente, iniciando a corrosão. Geralmente o problema manifesta-se pela diminuição da seção de armadura e fissuração do concreto, mas, eventualmente, podem surgir manchas avermelhadas produzidas pelos óxidos de ferro. As causas são variadas, entre as quais destacam-se insuficiência do cobrimento da armadura ou má qualidade do concreto e presença de cloretos.  A partir das tensões provocadas pelo aumento da corrosão, outros problemas podem surgir. Primeiramente fissuras, que ocorrem porque os produtos da corrosão ocupam espaço maior que o aço original. Depois, outras patologias também podem afetar a estrutura, como as desagregações.

Fissuras e desagregações – A NBR 6118 determina valores máximos para fissuração. Em ambientes com nível de agressividade III, onde se enquadram os expostos à maresia, a abertura das fissuras na superfície de estruturas de concreto armado não deve passar de 0,3 mm. Já em locais com respingos de maré(CAA IV) a abertura máxima aceitável é de 0,2 mm.  Associada à fissuração está a desagregação, que é a própria separação física de placas de concreto. A conseqüência principal é a perda da capacidade de resistência aos esforços solicitados.

Carbonatação – Com o tempo, a alta alcalinidade nas superfícies expostas das estruturas de concreto pode ser reduzida, o que ocorre principalmente pela ação de gases ácidos, como CO2, o SO2 e o H2S, encontrados na atmosfera. É um processo que ocorre lentamente, segundo a reação principal Ca(OH)2 + C02 ® CaCO3 + H20. O pH de precipitação do CaCO3 é cerca de 9,4 (em temperatura ambiente), o que altera as condições de estabilidade química da película passivadora do aço. É, portanto, um fenômeno ligado à permeabilidade aos gases e, por isso, demanda cuidado quanto à composição do concreto.

Expansão – Na fabricação do cimento, o gesso utilizado reage com parte do aluminato tricálcico formando etringita. Outra parte do aluminato fica livre para reagir caso, posteriormente, encontre sulfatos, presentes em agregados e na água do mar, com as quais o concreto vai entrar em contato, produzindo mais etringita. Como isso ocorre em uma fase em que o concreto já está endurecido, efeitos patológicos aparecerão na forma de rachaduras, fissuras e, posterior desintegração do concreto.

Fonte: Techne Pini

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